Reforma Tributária: Neutralidade Fiscal ou Aumento da Arrecadação?

Fim do ano de 2019, às vésperas daquela que foi a maior pandemia dos últimos tempos, o protocolo da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) número 45, ganha os holofotes não apenas do Congresso Nacional, mas de todos os veículos de comunicação. A promessa era de que finalmente ter-se-ia conseguido chegar a um projeto de Reforma Tributária que elevaria o Brasil ao Sistema Tributário praticado nas economias mais desenvolvidas do Globo.

Ninguém esperava que o tema teria que ficar em segundo plano e perder sua urgência e relevância em função da crise sanitária e econômica ocasionada com a COVID-19.

2023, contudo, já marca um contexto totalmente diferente. A Reforma Tributária volta a tona como tema  imprescindível para a modernização do país e condicional para aumentar as possibilidades de o Brasil ingressar na OCDE. O momento para as discussões torna-se tempestivo em termos políticos, econômicos e sociais e a PEC finalmente é aprovada na Câmara dos Deputados, cabendo ao Senado Federal fazer as adequações necessárias para que a Reforma Tributária seja uma realidade ainda neste mesmo ano.

Ninguém discute ou se contrapõe ao fato de o Sistema Tributário brasileiro ser o mais complexo do mundo e excessivamente caro para a sociedade! E seus efeitos colaterais são gravíssimos: o cidadão trabalha mais de 5 meses por ano para pagar seus tributos; as empresas gastam 1,5% do seu faturamento para cumprir com as burocracias fiscais das mais de 2 normas tributárias que são editadas por hora útil; o contribuinte paga em média 40% (carga tributária nominal ou cálculo por dentro) no preço final de produtos e serviços ou 67% sobre o preço do produto/serviço (carga tributária efetiva ou cálculo por fora); a sonegação e informalidade correspondem a 37% do PIB; o índice de mortalidade das empresas é um dos mais altos do mundo, resultando na relação de que para cada 10 empresas criadas, 7 desaparecem.

Somente isso já torna imprescindível a sua mudança via uma reforma tributária constitucional. Contudo, as premissas em que se baseiam a PEC 45 privilegiam somente o setor público e a ânsia do Poder Executivo em arrecadar mais para fazer frente aos excessivos gastos públicos que, por si só, tornariam ainda mais séria, urgente e preliminar uma Reforma Administrativa. Na contramão, o contribuinte grita não apenas por uma simplificação tributária, mas especialmente por uma redução do volumoso peso dos tributos que tanto prejudicam, principalmente, a classe média brasileira.

Ora, o Brasil já tem carga tributária escorchante, de 33,71% do PIB. Manter tal número já não vai ao encontro do que o povo brasileiro anseia. Mas para piorar, os rumores em torno do que seria a concretização do IVA (conjunto do IBS e da CBS da PEC 45) giram em torno de uma alíquota entre 25% e 30%. Ou seja, o Brasil, com a reforma da PEC 45 perderia o vulgo de país com o sistema tributário mais complexo do mundo e ganharia o de país com o maior IVA do mundo.   

Se formos analisar pela ótica da arrecadação tributária dos tributos sobre o consumo no Brasil, veremos que a alíquota referencial deveria ser muito menor. O faturamento das empresas em 2022 foi de R$ 20 trilhões, enquanto a arrecadação foi de R$ 1,3 trilhão.

Ou seja, a relação é de 6,5% sobre a receita empresarial, base para a incidência do IVA.   E porque se fala numa alíquota referencial superior a 25%?   A resposta está na falta de compromisso estatal em reduzir a informalidade e sonegação. Um plano eficiente neste sentido resultaria num aumento de arrecadação de mais de R$ 1 trilhão ao ano, podendo diminuir a alíquota de referência do IVA.

Além do calibre errado da alíquota de referência do IVA, outros perigos também estão contidos no tema em análise, pois ao contrário do que se propala, a proposta de Reforma Tributária é muito mais ampla, atingindo não só os tributos sobre o consumo, mas também tributos sobre renda e patrimônio.  Portanto, as análises não podem ficar restritas ao IVA.

Estão previstas mudanças também em princípios constitucionais tributários, no IPVA, ITCMD e IPTU que podem resultar em brutal aumento da carga tributária sobre o patrimônio. Pouco ou quase nada tem se falado a este respeito.

É fundamental, ainda, destacar que outras medidas legislativas, mesmo antes da aprovação da Reforma Tributária, estão sendo implementadas com o potencial de aumentar a carga tributária, gerando um descompasso até mesmo em relação à premissa basilar da Reforma, de neutralização do ônus tributário. Um exemplo emblemático é a recente Medida Provisória 1.185, de 30/08/2023, que trouxe diversas mudanças no tratamento fiscal de incentivos fiscais, resultando em um aumento da carga tributária para os contribuintes.

Abaixo estão três pontos relevantes que demonstram esse aumento:

Revogação da sistemática atual de tratamento fiscal: A primeira e mais evidente mudança trazida pela MP 1.185 é a revogação da sistemática vigente que disciplina o tratamento fiscal de incentivos fiscais caracterizados como subvenções para investimento, prevista no art. 30 da Lei 12.974, alterado pelos arts. 9º e 10 da Lei Complementar 160/2017, que recentemente teve sua legalidade e delineamento de aplicabilidade julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.182, de recurso repetitivo. Ou seja, depois de anos de discussão legislativa e judicial, tais incentivos, que eram tratados de forma a reduzir a carga tributária, agora passarão a ser tributados, o que automaticamente aumenta o ônus fiscal para as empresas que contavam com esses benefícios.

Criação do “Crédito Fiscal de Subvenções para Investimento”: A medida provisória institui a possibilidade de concessão de um “Crédito Fiscal” em relação às subvenções para investimento. No entanto, essa concessão está condicionada a critérios e prazos estabelecidos, o que pode limitar o acesso das empresas a esse crédito. Além disso, a utilização desse crédito fica sujeita a ressarcimento ou compensação, o que impõe novos desafios burocráticos e pode resultar em dificuldades para as empresas recuperarem efetivamente os valores.

Impacto na competitividade das empresas: O aumento da carga tributária resultante da MP 1.185 terá um impacto direto na competitividade das empresas brasileiras. Com a tributação de incentivos fiscais anteriormente concedidos, muitas empresas terão que revisar suas estratégias de investimento e planejamento tributário, o que pode prejudicar a capacidade de crescimento e geração de empregos.

E não apenas a recente Medida Provisória acima mencionada, mas também o Projeto de Lei 4.258/2023, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados, é mais um exemplo de mudança que aumentará o ônus fiscal para as empresas. Tal projeto de lei merece atenção especial. Se aprovado, este projeto encerrará a possibilidade de dedução dos juros sobre capital próprio da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para empresas tributadas pelo lucro real. Isso significa que as empresas que atualmente se beneficiam dessa dedução verão um aumento direto em sua carga tributária, uma vez que terão que pagar mais impostos sobre seus lucros.

Os impactos dessa medida serão significativos, afetando diretamente a competitividade das empresas e sua capacidade de investir e expandir. Além disso, essa alteração na legislação pode desincentivar o investimento por meio de capital próprio, prejudicando o financiamento de projetos e o crescimento econômico.

É importante ressaltar que, embora a Reforma Tributária seja discutida com o objetivo de simplificar e tornar o sistema tributário mais justo e eficiente, as medidas como a MP 1.185 e o Projeto de Lei 4.258/2023 evidenciam a complexidade do processo de reforma e a necessidade de um cuidadoso acompanhamento das mudanças em curso. A sociedade deve estar atenta às medidas que podem aumentar a carga tributária, em contraposição aos objetivos da reforma, e buscar o debate e a transparência no processo legislativo para garantir um sistema tributário mais equilibrado e favorável ao desenvolvimento econômico do País.

Autores:

GILBERTO LUIZ DO AMARAL, advogado tributarista, contador, consultor de empresas, professor de pós-graduação em governança tributária. Presidente do Conselho Superior e Coordenador de Estudos do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação.

Fonte: Grana

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Os estudos do IBPT são referências no mercado e visam identificar a carga tributária dos diversos setores da economia brasileira ou de uma empresa, especificamente. Eles fornecem um diagnóstico da tributação que incide sobre determinadas atividades, com dados suficientes para implementar uma gestão tributária e aumentar a competitividade. Realizamos pesquisas corporativas e de setores específicos para reduzir o peso dos tributos por meio de uma gestão tributária eficiente.

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